domingo, 19 de maio de 2013

ANÁLISE DO PEOMA NAVIO NEGREIRO

Parte IV

Era um sonho dantesco… O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar do açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças… mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
E ri-se a orquestra, irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais…
Se o velho arqueja… se no chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece…
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando geme e ri…
No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!…”
E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da roda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam…
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás! …

 Análise

A terceira fase romântica é marcada por uma poesia de acentuado compromisso social. Denominada poesia condoreira, tem como símbolo  o condor, cujo sentido é a liberdade de expressão e de linguagem.
Castro Alves foi o mais importante representante da poesia condoreira no Brasil. Seus poemas sócios tratam de questões como a crença no progresso e na educação como forma de aprimoramento social, da República e, principalmente, o fim da escravidão negra. O tom vigoroso, a ressonância de seus versos, a indignação e a expressividade são elementos que consagram o “poeta dos escravos”.
A sua poesia serviu de instrumento de luta contra a escravidão, pois seu tom de elevação era propício para récitas em locais públicos. A eloquência dos versos está evidenciada em poemas que denunciavam a vida miserável dos escravos, O poeta aproxima-se da realidade social, embora conserve ainda o idealismo e o subjetivismo românticos. Quando o navio negreiro foi composto, em 1968, o tráfico de escravos já estava proibido no país; contudo, a escravidão e seus efeitos  persistiram. Para denunciar a condição miserável e desumana dos escravos, o poeta valeu-se do drama dos negros em sua travessia da África para o Brasil.
O Poema de Castro Alves está dividido em seis partes, com alternância métrica para cada situação retratada,  apresentado da seguinte forma: 
Na primeira parte, o eu lírico limita-se a descrever  atmosfera calma que sugere a beleza e a tranquilidade; na segunda parte, o poeta descreve marinheiros de várias nacionalidades, caracterizando-os como valentes, nobres e corajosos; na terceira parte, o eu lírico introduz verdadeira intenção do poema – denuncia o tráfico de escravos, através de expressões indignadas; na quarta parte o eu lírico descreve com detalhes os horrores de um navio de escravos; na quita parte, ele invoca os elementos da natureza para que destruam o navio e acabem com os horrores que mancham a beleza do mar, e libertem os escravos; finalmente, sexta parte, ele indica  a nacionalidade brasileira, invocando os heróis do Novo Mundo, para que eles, por terem  aberto novos horizontes, acabem com a escravidão.

Como o poema “navio negreiro” é muito extenso, o grupo escolheu analisar somente a quarta parte do poema que descreve o que se via no interior do navio.

Os versos têm dez sílabas métricas que se alternam com versos de seis sílabas métricas; as silabas tônicas são construídas pela sexta e décima; o esquema das rimas é aabccb; as estrofes são compostas de seis versos. A repetição da terceira estrofe no final dá-lhe uma natureza de refrão.
Um detalhe interessante neste poema é o uso da linguagem, trabalhando ora os adjetivos para descrever com mais expressividade o cenário e o elemento humano.

Negras mulheres:  não há mais leite para alimentar as “magras crianças” e, por citar as “ tetas” , faz-se analogia a um mero animal. Ao descrever as moças nuas espantadas, arrastadas em meio à multidão de negros magros, o eu lírico apela para que o leitor sinta piedade pelo sofrimento do ser humano.
Depois de apresentar o navio como uma visão dantesca, uma figura diabólica é utilizada para o desfecho da última estrofe, finalizando a quarta parte do poema.
Algumas  figuras de linguagem destacadas no poema:
Metáfora
- “a serpente faz doudas espirais”  ( a serpente seria o chicote usado pelos marinheiros)
Comparação
- “Legiões de homens negros como a noite”
Hibépole
- “ No turbilhão de espectros arrastadas”
Metonímia
- “ O chicote estala”

Enfim, “o navio negreiro” – considerado o seu melhor trabalho no campo da literatura, ilustra muito bem como o poeta tratava o tema: a escravidão negra era vista como algo num mundo que caminhava para um futuro melhor, em que daria ao homem condições mais dignas de vida.

Componentes do grupo:
Aurilene da Mota e Silva -  RA. A96DFC7
Maria Helena – A82JGH-7
Raisa Regina
Sidinéia Gomes Santana -     RA. B07HAI-3
 


Poema Navio Negreiro - Castro Alves


Navio Negreiro

Castro Alves

  I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta. 
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro... 
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?... 
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas... 
Donde vem? onde vai?  Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam, 
Galopam, voam, mas não deixam traço. 
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade! 
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa! 
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos! 
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
.......................................................... 
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa! 
Albatroz!  Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz!  Albatroz! dá-me estas asas.
 
II
    
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após. 
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão! 
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir! 
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...
 
III
    
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
 IV
     
Era um sonho dantesco... o tombadilho 
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite... 
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar... 
Negras mulheres, suspendendo às tetas 
Magras crianças, cujas bocas pretas 
Rega o sangue das mães: 
Outras moças, mas nuas e espantadas, 
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs! 
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente 
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala, 
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais... 
Presa nos elos de uma só cadeia, 
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece, 
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri! 
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..." 
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
          Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
          E ri-se Satanás!... 
 
V
    
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! 
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?   Se a estrela

VI

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!